O texto a seguir localizei no site da Folha de São Paulo. Não assisti ao filme nem li ao livro ainda, mas tenho interesse pelos dois e fiquei com mais desejo de conhecer ainda após este artigo.
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"Precisamos Falar sobre Kevin" enfoca trauma da violência adolescente nos EUA
Um jovem entra armado no colégio, numa lanchonete, numa sala de cinema. Começa a disparar. Em seguida, suicida-se ou entrega-se às autoridades com a expressão de triunfo dos mártires que cumpriram sua missão.
Em países como Noruega ou Brasil, a cena é rara. Nos EUA, entretanto, esse tipo de morticínio atinge níveis epidêmicos e equivale, por sua recorrência, a uma sociopatia.
"Precisamos Falar sobre o Kevin", filme da diretora Lynne Ramsay baseado no romance de Lionel Shriver, aborda episódio semelhante sem cair em generalizações sociológicas. Em troca, nos dá um retrato sem retoques da perversão.
Divulgação | ||
Cena do filme "Precisamos Falar Sobre o Kevin", que enfoca trauma da violência adolescente nos EUA |
Eva Katchadourian é uma mulher de classe média, com ambições de ser escritora, numa pequena cidade americana. A gravidez indesejada compromete seus planos e estabelece uma relação tensa com o filho, cujo comportamento precocemente agressivo parece ser o reflexo da rejeição materna.
O que seria uma crônica de neuroses domésticas, porém, se transforma num pesadelo narrado em diferentes planos temporais.
A cor vermelha inunda a tela. Começa com a tradicional guerra de tomates na Espanha (à qual Eva se entrega) e se prolonga na sequência em que, já frustrada como autora de livros de viagem, sua casa é vandalizada.
Entre um momento e outro, o vermelho é a metáfora da carnificina à espreita. Cada gesto ou olhar anuncia uma catástrofe que vai surgindo à prestação, na crueldade do irmão com a caçula, na apatia do pai que, em lugar de representar a "castração", é a figura da "lei" que o perverso corteja e burla, para em seguida negar com gozo homicida.
A atriz Tilda Swinton, soberba como Eva, destila toda a amargura de quem é hostilizada por razões que vamos intuindo com terror.
E, apesar de o filme recusar explicações, é impossível não pensar que uma sociedade que elevou felicidade e sucesso à condição de mandamento não apenas pune com rigor bíblico quem pariu um pecador, mas também cria parricidas em série.
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CONEXÕES
LIVRO
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN ***
O romance que serviu de base para o filme de Ramsay é estruturado na forma de cartas que a mãe de Kevin escreve ao marido.
AUTOR: Lionel Shriver
EDITORA: Intrínseca (2012, 464 págs., R$ 34,90)
FILMES
O SILÊNCIO DOS INOCENTES ****
O psiquiatra assassino Hannibal Lecter (Anthony Hopkins) disseca, da prisão, os mecanismos da perversão de um "serial killer".
DIRETOR: Jonnathan Demme
DISTRIBUIDORA: Fox (1990, R$ 16,90)
PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN ***
DIRETOR: Lynne Ramsay
DISTRIBUIDORA: Paris Filmes (R$ 34,90)
LIVRO
POEMAS DE KONSTANTINOS KAVÁFIS ****
Konstantinos Kaváfis; tradução de Haroldo de Campos (Cosac Naify, 64 págs., R$ 45)
Criador da poesia concreta e renovador da tradução no Brasil, Haroldo de Campos (1929-2003) "transcria" -segundo expressão que consagrou- poemas do escritor grego moderno, em especial "À Espera dos Bárbaros". Organizado por Trajano Vieira, o livro traz, como prefácio, versos inéditos em que o poeta brasileiro celebra a sensualidade clássica de Kaváfis (1863-1933).
FILME
ROMÂNTICOS ANÔNIMOS **
Jean-Pierre Améris (Imovision, locação)
Uma frequentadora dos "emotivos anônimos" (conforme título original francês) se emprega numa fábrica de chocolates cujo patrão, nada emotivo, aos poucos vai se revelando um romântico enrustido. Améris explora a exageração da pieguice para ironizar as inseguranças afetivas, numa comédia que se pretende "meio amarga", mas acaba errando na dose de doçura.
DISCO
RADAMÉS GNATALLI: VALSAS E RETRATOS ****
Izaías e Seus Chorões/Quintal Brasileiro (Selo Sesc, R$ 20)
A parceria entre o quinteto de cordas de Campinas e o quinteto do bandolinista Izaías Bueno de Almeida recupera a cumplicidade entre Jacob do Bandolim e Radamés Gnattali, que, nos anos 1950, compôs para o amigo a suíte "Retratos" (em homenagem a Pixinguinha, Naza-reth, Anacleto de Medeiros e Chiquinha Gonzaga), aqui registrados, ao lado de suas "Valsas", com arranjos originais.
Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. Colunista da revista "sãopaulo" e editor do "Guia Folha - Livros, Discos, Filmes", é também editor do programa "Entrelinhas", da TV Cultura. Escreve aos domingos.
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