sexta-feira, 30 de setembro de 2022

19/9/2022

Hoje eu terminei de ouvir o episódio do podcast Tenda Materna sobre Automutilação e foi super marcante pra mim. Percebi que alguns comportamentos que mantenho até hoje, aos 33 anos, refletem as práticas autolesivas que desenvolvi ainda muito nova. Me fez querer olhar para minha história e colocar para fora.

Tive uma infância financeiramente estável, não tínhamos tudo o que queríamos mas minha mãe se esforçava imensamente pra termos tudo o que precisávamos em relação à questões práticas na vida. Meu pai saiu de casa quando eu tinha 1 ano e meio por pedido da minha mãe e buscou tratamento para o alcoólismo. Retomamos contato quando eu tinha cerca de 8 anos.

Minha mãe, sendo sozinha responsável por criar três filhas, trabalhava pra caramba e eu não a via muito. Quem exercia mais uma figura maternal para mim era minha irmã mais velha (16 anos mais velha que eu). 

Aos 6 anos sofri abuso sexual. Só fui entender de fato e conseguir nomear quando estava na 7ª série do ensino fundamental, numa aula de biologia sobre ISTs, tipos de abuso, entre outras informações (educação sexual é importante demais!). Contei pra minha mãe sobre isso somente aos 14 anos.

Aos 7 anos minha irmã mais velha se casou e mudou para outro estado. Meu relacionamento com minha irmã do meio nessa época era um pouco complicado por estarmos em fases muito diferentes (ela entrando na adolescência e eu criança). Minha mãe seguia se esforçando muito pra nos manter, seguia vendo-a pouco. Eu me sentia invisível. Me senti tão absolutamente perdida e sozinha com mais essa partida que apenas queria que a dor lancinante parasse. Eu tentei suicídio nessa época. Foi quando recebi meu primeiro diagnóstico clínico de depressão.

Cresci com um corpo relativamente dentro dos padrões, mas eu tinha nojo de mim. Olhar no espelho era algo que me afligia. A violação que sofri anos antes, mesmo sem saber nomear, mudou a maneira como eu me enxergava. Me sentia sem valor, excessivamente falha, "com defeito de fabricação e sem concerto possível", alguém que não se era merecedora de amor e que ninguém amaria caso conhecessem a fundo. Me senti deslocada e não merecedora de quase todos os espaços em que transitei nessa vida. 

Me esforçava então pra ser gentil e prestativa "pra compensar". Sempre excedi meus limites grandemente na tentativa de assim manter as pessoas por perto (medo do abandono e sensação de não-valia pessoal muito intensos). E fazia isso até entrar em colapso emocional, no qual me fechava numa nova crisálida de hipersônia e solidão. 

Aos 16 anos de idade entrei em um relacionamento abusivo que durou 8 anos. Desse tenho também muitas marcas e traumas que caminho dia após dia na busca de curar o quanto for possível.

Considerando desde a infância, a sensação de invisibilidade, de inadequação, o perfeccionismo como ferramenta de sobrevivência (mas que nos mata aos poucos) são coisas que tenho começado a aprender a gerenciar de forma mais saudável somente agora. Mas comportamentos autolesivos ainda existem.

Não sei em que momento comecei a puxar as pontinhas de pele dos lábios e/ou das cutículas nos momentos de ansiedade. Mas são práticas que ainda permanecem. Em épocas mais tensas, que me sinto sem perspectiva, com muito medo ou afogada pela sensação de importância diante de fatos adversos da vida, essas práticas autolesivas tb se intensificam. Inúmeras vezes minha boca e meus dedos se ferem e sangram por isso. E hoje eu percebi que é uma maneira inconsciente de dar "palpabilidade" à imensa dor e confusão internas. 

Não sei se já falei sobre todas essas coisas abertamente antes. Tenho impressão de que não.

Honestamente nem sei bem aonde quero chegar relatando tudo isso. Somente senti que precisava colocar pra fora. Precisava olhar demorada e intensamente pra minha história pra entender de onde vem essa urgência imensa em descobrir que realmente sou hoje. Em descobrir como bancar meus próprios desejos e sonhos para além da aprisionante sensação de que se eu não for a melhor aluna/pessoa (estrelinha dourada pra mim!) eu vou acabar sozinha na vida de novo. 

Mas sabe, com muita terapia, estudo e coragem de olhar pra dentro, eu tenho descoberto o quanto posso ser uma boa companhia para mim mesma. O quanto posso ter genuína compaixão por mim e pelas outras pessoas. O medo paralisante tem se tornado menos efetivo. As minhas múltiplas faces internas, minha essência, tem aos poucos se revelado para mim por eu estar desenvolvendo a sabedoria e coragem de olhar de fato para elas.

Isso é muito bom. Ter oportunidade de me conhecer é um prazer que eu quero cultivar sempre. Sendo uma pessoa que tem desejo constante de mudança, há sempre uma nova Emília para descobrir.

Tenho o privilégio também de ter uma relação maravilhosa com minhas irmãs e meu pai hoje em dia. Seguimos as três juntas na jornada de autoconhecimento, nos inspirando, nos apoiando mutuamente. Somos alicerces umas pras outras e sei que isso não é tão comum.

Tenho muito afeto compartilhado com meu pai, que é também um vovô apaixonado.

E estou num relacionamento com um parceiro com quem compartilho a criação das pequenas, os perrengues, várias paixões e infinitas reflexões também.

Obrigada às queridas da Tenda Materna por esse episódio tão especialmente importante para mim. Tão cheio de informações. Me ajudou a olhar pra minha história e a buscar oferecer mais conexão real para minhas filhas e assim buscar diminuir as chances de que elas se sintam também invisíveis e sem merecer espaço neste vasto mundo.



Aqui o episódio via Youtube, caso queiram ouvir. 
Existe em várias outras plataformas também.

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domingo, 4 de setembro de 2022

Oceano


Aprendi a nomear o luto de oceano.


É vasto,

não tem prazo para acabar,

não é linear,

e funciona em ondas.


Chega arrebatador,

nos dá inúmeros caldos,

pensamos que seremos engolides por tamanha potência.


Nossas lágrimas se juntam 

e o aumentam.

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O tempo vai passando e a onda se afasta um pouco.

Conseguimos respirar um instante mais.

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As vezes chegam momentos 

em que quase esquecemos

que ele nos tomou 

e revirou tão profundamente.


Pra, em seguida,

Sermos arrebatades por uma nova onda.

Sem aviso,

cheia de uma nova versão da dor,

da saudade,

da consciência... de ausência.

_


Não é linear, eu disse.

Me toma, de novo,

de um novo jeito.

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Vem, 

me inunda, 

me leva pra longe de onde

pensei estar chegando.


A água arrasta a areia sob os pés,

o breve equilíbrio se vai,

e eu titubeio.

Os passos incertos viram braçadas,

o ambiente se azula a minha volta.


Eu choro,

me sinto exausta.

NÃO QUERO MAIS SENTIR.

Mas não é possível fugir 

de dentro de si.

_


Passei meses sentindo

que mal conseguia manter 

a cabeça fora d'água 

pra sobreviver.


Hoje, 

precisamente hoje,

sinto que estou caminhando na praia

após o mais recente caldo.


Vou aproveitar esse instante calmo,

enxergar as ondas ao longe,

consciente que me levarão

novamente.

_


Não sei quando,

só sei que vão.


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