quarta-feira, 1 de outubro de 2025

01/10/2025 - Sobre nossa capacidade de nos olhar

Alerta de gatilho: menções a abuso sexual infantil e gordofobia.


Eu tenho dificuldades de conviver com meu corpo desde pequena.

Primeiro porque eu era gordinha e as pessoas nos anos 90 já achavam que isso não era aceitável e não ligavam de reclamar disso pra uma criança (algo que segue acontecendo muito até hoje). 

Aí eu comecei a esticar, a minha distribuição corporal mudou e eu fiquei mais "socialmente apreciável". E aí, ainda na primeira infância, eu sofri abuso. E aí, com todo o rolê de culpabilização da vítima que rolava já naquela época, eu, mesmo sem falar pra ninguém sobre o que tinha a conhecido, internalizei que a culpa tinha sido minha. Tinha sido daquele corpo por ser à frente da idade, por eu parecer mais "atrativa" do que eu deveria pra uma criança de 6 anos. 

Não porque o cara era um pedófilo escroto que violou meu corpo sem se importar com as consequências. Não, a culpa era minha. Na tv, nas conversas dos adultos em geral à minha volta, em todo canto eu via as vítimas sofrendo escrutínio pelas roupas que usavam, por estar fora de casa em horário desaconselhável ou qualquer outra merda... E foi nisso que eu acreditei, mesmo sendo uma criança de 6 anos.

E assim eu cresci com nojo de mim mesma, evitando o espelho a todo custo. 

À medida em que cresci eu segui tendo um corpo próximo do padrão, recebendo olhares invasivos e cantadas não solicitadas que eu aprendi a entender racionalmente como elogio mesmo que meu corpo entrasse em modo de alerta e medo. 

Hoje em dia isso ainda acontece em algum nível, mas eu aprendi a usar roupas mais confortáveis e que escondem mais meu corpo numa tentativa de me blindar, de passar despercebida nesse sentido, mas continuei com dificuldade de me olhar. Nos últimos anos meu contato com registros fotográficos de mim se resumiram a selfies eventuais quando mudava o cabelo ou quando precisava de uma foto pra documento. Além de ver meu rosto quando ia escovar os dentes e simplemente olhar pra baixo pra ver se minha roupa estava suficientemente limpa e organizada pra seguir a vida de adulta. 

Agora em 2025 tenho atravessado um processo terapêutico que tem me ajudado muito a olhar mais pra mim mesma, literal e metaforicamente. Olhar pras minhas dores, pras minhas necessidades, pro que me trava em medo e o que eu gostaria de deixar fluir novamente. E isso inclui aprender a cuidar e conviver melhor com meu próprio corpo. 

Uns dias atrás vi esse vídeo do David Suh no qual ele fala do processo de estar buscando mais presença e cuidado com sua saúde, seu corpo e sua mente, e com ter mais compaixão no seu olhar sobre si mesmo. E ele sugere maneiras de tirar autorretratos em que possamos exercitar esse olhar mais compassivo e compartilha um pouco do seu próprio processo. Esse vídeo me atravessou de uma maneira que eu não esperava.


Hoje eu tive vontade de testar e fiquei feliz com o resultado. Foi bom olhar pra mim de uma maneira menos objetiva e com mais cuidado e apreciação. O que em mim eu gosto nesse momento? O que eu gostaria de registrar disso? 

A seguir estão as fotos que eu quis guardar a partir desse exercício de olhar para mim. Luz natural, sem filtros, sem maquiagem, os lábios com algumas marcas ainda do mais recente momento de dermatilomania labial alguns dias atrás, com o cabelo zoneado de quem nem penteou, com roupa de ficar em casa com calor e feliz por ter conseguido registrar um pouco de coisas que gosto em mim no momento memso assim.

  
   
 
 

A Ray e o Joel tem sido importantes demais nesse processo. Ela caminhando comigo em todo o processo terapêutico incluindo todas as dores excruciantes e momentos mágicos. Ele me apoiando, compartilhando comigo sua estratégia pra ser mais amigável consigo mesmo, me presenteando com um celular que de fato me permite voltar a fotografar e por ter comprado um espelho de corpo inteiro pra casa que tem me dado oportunidades de me olhar. 

Foi bom parar pra fotografar um pouco de novo. Muita saudade de poder fazer isso.

E um bonus, porque gostei da minha mão nessa foto:

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