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Até  os meus cinco anos eu não tinha percebido nada. Havia um muro à minha  volta, ninguém falava naquilo, todo mundo me apertava as bochechas e as  tias viviam repetindo lindinho lindinho. 
Daí  que achei que eu era isso mesmo, o lindinho das tias. Mas eu via nos  olhos dos adultos um brilho estranho, as conversinhas às minhas costas,  os risos. 
Os  risos. Muitas vezes, tonto, eu ria junto. Aí eles riam mais ainda,  ficavam vermelhos que até as lágrimas escorriam pelos cantos dos olhos.  Era muito engraçado. 
Mas  eu comecei a desconfiar de tanta graça. Era bom demais, e eu, no fundo,  não me achava tão engraçado assim. Foi aí que eu percebi que eles riam  de mim. 
No  início foi uma sensação incômoda, e eu não fiz a menor questão de  esconder. Quanto mais eles riam mais eu chorava. Até que minha mãe falou  algo que não me tranqüilizou, mas me deu a exata noção do futuro:
- Não liga pra eles. Vai ser sempre assim. Ou você aprende a lidar com isso ou eles acabam com você.
Uma  constante na minha vida: entrar num restaurante e pedir um bife com  fritas era um escândalo. Os outros me olhavam de lado, alguns me  repreendiam abertamente, uns tantos riam e riam. A frase da minha mãe  sendo repetida mentalmente, dia após dia. 
Comprar  uma calça era difícil, eu precisava mandar fazer. Assim também com as  camisas. Os sapatos eram raros. As coisas mais idiotas do cotidiano  exigiam de mim duplo esforço. A única coisa fácil era a minha  indignação.
— Pai, quero te apresentar uma pessoa — falou a minha primeira namorada. 
O sujeito olhou pra mim, a boca aberta, os olhos arregalados de susto.
— Isso aí? — ele perguntou. — Você tá namorando isso aí?
No  mesmo dia o namoro acabou. E não foi por falta de amor; ela não merecia  passar o que estava passando ao meu lado, uma humilhação atrás da  outra. Ela não precisava disso.
Estou  sozinho hoje, bem mais velho do que eu imaginava, e mamãe já se foi faz  tempo. Dela guardo apenas um retrato e a frase que me situou no mundo.  Não sinto mais raiva, nem ressentimentos, vivo apenas, da melhor maneira  possível. O tempo me deu a sorte de saber que não é fácil ser humano  neste mundo de cavalos. 
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Por Claudio Parreira. 
Também o conheci n'O Bule e gostei muito do texto. 
Twitter: @claudioparreira e blog para quem queiser conhecer mais.
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